quinta-feira, 7 de outubro de 2010

'Dentro de mim'



Apercebi-me de que roubo isqueiros,

por culpa do meu subconsciente.

Subconsciente semi-cleptomaníaco,

aproveitador de diálogos com fumo.

Sou 600 anos mais nova que D. Duarte.

Quando está sol procuro a sombra,

e, quando não está, procuro o sol.

Odeio pessoas,

excepto um punhado delas.

E, acima de tudo,

não quero estar só

nem mal acompanhada.

Nem uma nem outra me serve.

Pois, quando mal acompanhada,

sinto-me só,

e, quando só,

sinto-me mal acompanhada.

Se me encontro rodeada

de esferas que nada valem por serem vazias,

quero apenas que me deixem.

Quando assim estou,

vejo-me fechada numa esfera individual

que nada vale por estar tão cheia.

E eu estou cheia.

Estou a rebentar,

a explodir,

a rasgar pelas costuras,

a sangrar por feridas já fechadas,

e a chorar lágrimas que já não tenho,

que já estão gastas,

que já estão secas.

Secas.

E eu tão cansada.

Estou tão cansada,

estou tão cansada de mim,

por favor, tirem-me de mim,

arranquem-me,

puxem-me,

empurrem-me de mim,

que eu estou farta,

que eu não consigo mais

estar fechada nesta fachada.

Ignorem a saudade,

e as feridas,

e a dor, e os fantasmas.

Esquartejem o meu carácter,

que se dane o meu carácter!,

e façam o que bem entenderem com

aquilo que me define.

Que eu estou farta.

Estou farta,

e não me quero mais.

Desencarcerem-me de mim.

O corpo que fique.







Ilustração de Bruno Clemente e texto de Leonor Figueiredo