quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Tempus




O tempo passa, transforma as coisas…
Num silêncio admiravelmente dominador,
Que só a elas pertence.

Molda novas formas, destrói umas,
Cria outras…

Com a mesma célere lentidão de sempre.

O Tempo.

Em si, nada é, nada contém, é vazio…

Desprovido de História ou Sentimento

É Nada


No entanto.
Ela é contentor do Tempo,
Criadora Dele…

Da mesma forma que a ferrugem se apodera teimosamente das suas entranhas,
Tal como o sol a si mesmo se consome.
Ela é o Tempo e o tempo é Ela,
fundem-se.


São o mesmo..



O Tempo.

O Universo…

..ao mesmo tempo...

(É-o.)








Fotografia de Leonor Figueiredo e Texto de Bruno Clemente


quinta-feira, 20 de novembro de 2008



Foi então que a noite cobriu tudo de um manto inconfundivelmente brilhante, enquanto o som do farol começava a ecoar por aquele longo areal repleto de conchas, rochedos e recordações.










Ilustração de Bruno Clemente e texto de Leonor Figueiredo

quinta-feira, 13 de novembro de 2008


Naquele dia, deixou-se encher de todas as forças, levantou-se da cama, saiu à rua e subiu toda a colina como se tivesse de novo oito anos. Parado à beira da árvore, lembrou-se de como toda a sua essência se resumia àquele local, de como ali havia conhecido a amizade em toda a sua plenitude. Divagou, deixou-se levar, lembrou-se do papagaio de papel e das duas almas pequeninas com sorrisos de gigante correndo por aquele chão, pisando aquela terra como se todo o céu fosse deles. Lembrou-se da inocência de criança, de como aquela árvore era suficientemente pequena para lhe treparem aos galhos, dos rebuçados, dos sermões infindáveis na chegada a casa, dos casamentos a fingir e dos lanchinhos partilhados.
Quarenta anos passaram, e uma carta chegou à sua já ferrugenta caixa de correio. A amizade era a mesma, o sorriso que se esboçou foi o mesmo. Chorou. Não por saudades, não de tristeza, mas por não saber o que sentir.
Mais quarenta anos passaram... e outra carta chegou.
Esta não trazia consigo a caligrafia dela, nem sequer a sua amizade. Com oitenta e oito anos, ela não ia voltar mais para lhe dar o abraço e o beijinho à esquimó, não ia voltar a sentir a alegria do seu sorriso. Não chorou.
Naquele dia, deixou-se encher de todas as forças, levantou-se da cama, saiu à rua e subiu toda a colina como se tivesse de novo oito anos. Parado à beira da árvore, lembrou-se de como toda a sua essência se resumia àquele local, de como ali havia conhecido a amizade em toda a sua plenitude.

Naquele dia, era só ele, ela e a árvore.
















Ilustração de Bruno Clemente e texto de Leonor Figueiredo

quinta-feira, 6 de novembro de 2008




Sombras que moldam texturas,
lugares que permanecem eternos na memória,

Ruína.

Depois pó.
Pó que é memória,
de tubagens e alpendres desengonçados,
tinta descascada, vidros partidos.
Mas é nossa.
Tal como do gato, que a percorre livremente,
E faz também parte dela.
Vive-a.

Ama-a.

A memória apenas permanece
naqueles que não se ficam pela aparência rude da pedra mal aparelhada,
e são felizes.

Os outros,
passam... vão passando...

E nada vivem.

Nada sentem.










Fotografia de Leonor Figueiredo e texto de Bruno Clemente