
Naquele dia, deixou-se encher de todas as forças, levantou-se da cama, saiu à rua e subiu toda a colina como se tivesse de novo oito anos. Parado à beira da árvore, lembrou-se de como toda a sua essência se resumia àquele local, de como ali havia conhecido a amizade em toda a sua plenitude. Divagou, deixou-se levar, lembrou-se do papagaio de papel e das duas almas pequeninas com sorrisos de gigante correndo por aquele chão, pisando aquela terra como se todo o céu fosse deles. Lembrou-se da inocência de criança, de como aquela árvore era suficientemente pequena para lhe treparem aos galhos, dos rebuçados, dos sermões infindáveis na chegada a casa, dos casamentos a fingir e dos lanchinhos partilhados.
Quarenta anos passaram, e uma carta chegou à sua já ferrugenta caixa de correio. A amizade era a mesma, o sorriso que se esboçou foi o mesmo. Chorou. Não por saudades, não de tristeza, mas por não saber o que sentir.
Mais quarenta anos passaram... e outra carta chegou.
Esta não trazia consigo a caligrafia dela, nem sequer a sua amizade. Com oitenta e oito anos, ela não ia voltar mais para lhe dar o abraço e o beijinho à esquimó, não ia voltar a sentir a alegria do seu sorriso. Não chorou.
Naquele dia, deixou-se encher de todas as forças, levantou-se da cama, saiu à rua e subiu toda a colina como se tivesse de novo oito anos. Parado à beira da árvore, lembrou-se de como toda a sua essência se resumia àquele local, de como ali havia conhecido a amizade em toda a sua plenitude.
Naquele dia, era só ele, ela e a árvore.
Ilustração de Bruno Clemente e texto de Leonor Figueiredo