
Apercebi-me de que roubo isqueiros,
por culpa do meu subconsciente.
Subconsciente semi-cleptomaníaco,
aproveitador de diálogos com fumo.
Sou 600 anos mais nova que D. Duarte.
Quando está sol procuro a sombra,
e, quando não está, procuro o sol.
Odeio pessoas,
excepto um punhado delas.
E, acima de tudo,
não quero estar só
nem mal acompanhada.
Nem uma nem outra me serve.
Pois, quando mal acompanhada,
sinto-me só,
e, quando só,
sinto-me mal acompanhada.
Se me encontro rodeada
de esferas que nada valem por serem vazias,
quero apenas que me deixem.
Quando assim estou,
vejo-me fechada numa esfera individual
que nada vale por estar tão cheia.
E eu estou cheia.
Estou a rebentar,
a explodir,
a rasgar pelas costuras,
a sangrar por feridas já fechadas,
e a chorar lágrimas que já não tenho,
que já estão gastas,
que já estão secas.
Secas.
E eu tão cansada.
Estou tão cansada,
estou tão cansada de mim,
por favor, tirem-me de mim,
arranquem-me,
puxem-me,
empurrem-me de mim,
que eu estou farta,
que eu não consigo mais
estar fechada nesta fachada.
Ignorem a saudade,
e as feridas,
e a dor, e os fantasmas.
Esquartejem o meu carácter,
que se dane o meu carácter!,
e façam o que bem entenderem com
aquilo que me define.
Que eu estou farta.
Estou farta,
e não me quero mais.
Desencarcerem-me de mim.
O corpo que fique.
Ilustração de Bruno Clemente e texto de Leonor Figueiredo